* por Carlos Thadeu de Freitas Gomes, Chefe da Divisão Econômica da CNC
Nas duas últimas semanas o mundo vivencia mais um capítulo inesperado na história mundial. Depois de uma pandemia, a guerra deflagrada na Ucrânia encheu de ainda mais incerteza o ambiente econômico internacional, exacerbou a volatilidade nas cotações de commodities, destacando-se o trigo e o petróleo. Este, vale notar, insumo amplamente empregado em diversos materiais e produtos acabados, em que o aumento de preços reflete-se também nas cadeias de preços livres.
Os cenários para inflação no Brasil e no mundo se acirraram rapidamente, recaindo novos desafios sobre a condução das políticas monetárias, evolução dos juros e a sustentabilidade da recuperação econômica.
É indiscutível a deterioração da dinâmica inflacionaria doméstica, mostrada já no IPCA de fevereiro. A alta dos preços dos alimentos, com destaque aos in natura, segue pressionando os preços livres, e os administrados, onde está a gasolina, por exemplo, naturalmente ainda não sentiram o efeito das altas expressivas anunciadas pela Petrobras na semana passada. Gasolina foi, inclusive, um dos itens com menor contribuição ao índice geral de fevereiro e na leitura acumulada no ano.
O crescimento do índice de difusão do IPCA reforça os desafios que as famílias seguirão enfrentando este ano. Cresce a necessidade de se avaliar formas de suporte a à renda dos mais pobres, temporariamente.
Os tamanhos dos percentuais de reajuste anunciados pela Petrobrás eram inesperados, e além de retratarem a alta do petróleo, têm também explicação no fato de que a empresa vinha represando o repasse aos derivados há quase dois meses, no caso do gás de cozinha, há cerca de cinco meses.
O gás de cozinha é um item essencial na cesta de consumo do brasileiro de renda baixa, em que o valor médio no país alcança R$ 102,00, podendo chegar a R$ 150,00 em alguns estados. Considerando o salário mínimo nacional atual de R$1.212,00, o valor de um botijão de 13 Kg representa 9% ou mais da renda de uma parcela expressiva das famílias no país. Esse quadro ajuda a entender por que mesmo com juros bem mais elevados as famílias de renda baixa continuam se endividando.
O avanço da carestia vai continuar dificultando o consumo e as vendas do comércio, na medida em que as incertezas no mundo possivelmente continuarão influenciando os preços das commodities com reflexos na inflação no Brasil. Mesmo que a guerra acabe nos próximos dias, espera-se que a volatilidade continue imperando nos mercados.
A recente redução da alíquota do IPI, sendo repassada pela indústria aos consumidores, deve ajudar no alívio a inflação. A aprovação do PL 11/2020 na Câmara também vai abrandar a evolução dos preços do gás e do diesel, em especial. O projeto elimina o Pis e Cofins sobre esses itens, e estabelece que o ICMS seja cobrado de forma monofásica, uma única vez na cadeira de distribuição. A base de cálculo fixa para incidência do imposto torna o valor invariável nos casos de flutuação abrupta dos preços do petróleo e altas na taxa de câmbio.
Essas medidas são oportunas pela ótica da simplificação tributária e pela urgência de novas ações visando conter a piora na renda dos mais pobres. A menor arrecadação esperada tanto ao Governo federal, quanto aos estaduais, é uma demonstração da preocupação com as pessoas, os que mais sofrem com pandemia, guerras, inflação e juros altos.
O subsídio temporário ao gás e ao diesel é uma medida com potencial de aliviar os rendimentos de parcela ampla das famílias, pela proporção da renda que esses gastos representam. Pode ser pensado por 6 meses, por exemplo, fora da regra do teto, como ocorreu com os gastos do auxílio emergencial.
A alta no diesel baliza os preços dos transportes, e ainda dos fretes em geral, que serão repassados aos produtos nas prateleiras, pois o comerciante não tem mais espaço para reduzir as margens.
Sem a retirada de impostos nem os subsídios, o IPCA tende a superar os 6,5% no final deste ano, prolongando a necessidade da Selic alta, embora juros maiores tenham pouco efeito no choque de oferta atual e pioram o endividamento público e privado.
É oportuno lembrar que o mundo está se recuperando de uma crise sem registros históricos, em que as ações e mecanismos para enfrentá-la também foram atípicos, fora das regras e normativas fiscais. Com a guerra no Leste Europeu sucedendo a pandemia como evento inesperado no mundo, influenciando o dia-dia do brasileiro, novas ampliações de gastos podem e devem ser consideradas este ano, e não porque é ano de eleições aqui, mas sim pelos aspectos sociais que a política tem de priorizar.