Até o fim de março, o mundo estava longe de ver um cessar-fogo na Ucrânia, país duramente atingido pelo poder bélico russo. Mas, mesmo com o aguardado acordo de paz entre os presidentes Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky, o Brasil, entre outros países, já foi afetado pela volatilidade na cotação das commodities, pressionando ainda mais a inflação de bens e serviços.
Diante do acirramento da crise, a Divisão Econômica (DE) da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) revisou para menos a estimativa de crescimento do volume de vendas do varejo em 2022: de 0,9% para 0,5%. “Os cenários para a inflação ainda distantes da meta, com risco ainda maior de pressões originadas pela guerra na Europa, devem fazer com que os juros no Brasil sigam elevados por mais tempo”, destacou a economista da CNC Izis Ferreira, autora de uma análise sobre o cenário econômico do Brasil diante da nova crise desencadeada no Leste Europeu.
De acordo com Izis, os primeiros reflexos da crise geopolítica foram a alta nas cotações de commodities, principalmente grãos, petróleo e metais, que levou os setores do comércio de bens e serviços a aumentarem os preços domésticos. “Os preços internacionais do trigo e do petróleo, Entre russos e ucranianos, o número de mortos chega a 25 mil, contando civis e militares. Cidades ucranianas foram alvos do destrutivo poder bélico russo por exemplo, alcançaram os valores mais elevados desde a crise de 2008”, pontuou ela.

Se a economia brasileira já vivia um momento de incertezas, em um cenário marcado pela pandemia, a nova conjuntura internacional colocou o Brasil em alerta absoluto. “A alta de preços das commodities e a alta nas taxas de juros de outros países certamente vão influenciar a taxa de câmbio à frente e acirrar ainda mais a inflação doméstica”, analisou a economista.
Com isso, o Banco Central do Brasil deverá continuar mantendo a taxa de juros acima de dois dígitos, piorando a dinâmica da dívida pública, podendo afastar os investimentos externos, principalmente. “Portanto, o momento é de muita cautela para os empresários, principalmente na hora de decidir sobre investimentos longos e contratações”, completou Izis.
O presidente da CNC, José Roberto Tadros, lamentou o drama humanitário de um conflito que está cobrando um alto preço da população civil ucraniana. Junto com a perda de vidas e a saída em massa da população do país, vem também o efeito na cadeia de suprimentos do setor produtivo, que acaba reverberando em todo o mundo. “O Brasil já estava enfrentando a necessidade de controle da inflação, e a guerra trouxe mais um componente para este cenário, com a tendência de elevação dos custos de diferentes itens da cesta de consumo, desde os alimentos aos combustíveis nas bombas, produtos duráveis e fretes”, observou Tadros. “É um momento que exige cautela dos empresários, com estoques mais ajustados, atenção ao fluxo de caixa e uso da tecnologia para ampliar o alcance dos clientes e os resultados.”
Commodities

Rússia e Ucrânia exercem posições de destaque no mercado de commodities. O conflito entre as duas nações expôs o mundo a uma alta disseminada da inflação e, com ela, à ameaça contra a segurança alimentar em diversos países. Segundo informações do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a Rússia domina 11% das exportações globais de petróleo bruto, derivados e combustíveis fósseis, como gás natural e carvão.
O país também responde por 2,1% das exportações de alumínio. E, no setor de alimentos, o trigo russo equivale a 16% das exportações mundiais do grão. A Ucrânia tem menor participação no mercado internacional de petróleo, gás e minérios, mas o país desponta nas exportações de óleo de girassol, milho e trigo. Juntos, esses produtos representam 26% das exportações mundiais.
Desde o início do conflito entre os dois países, o preço do trigo aumentou 49,5% na cotação internacional. O milho subiu 22,7% e a soja, 20%. A proteína animal também aumentou de preço, devido ao custo de alimentação dos animais, que ficou mais caro. Além dos sobrepreços, outro problema consequente da guerra é a suspensão do fornecimento de fertilizantes da Rússia e de Belarus.

O governo brasileiro corre contra o tempo para evitar prejuízos à próxima safra, inclusive buscando outros fornecedores, como o Canadá. Eletrodomésticos, automóveis e imóveis estão mais caros, devido à escassez de matérias-primas. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), uma das principais siderúrgicas do País, por exemplo, reajustou em 20% os preços dos insumos vendidos às indústrias. A companhia também retirou os descontos, devido ao encarecimento de minérios, como carvão metalúrgico e ferro.