Brasil é o pior dos Brics

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Jornal do Commercio   Editoria: Economia   Página: A-2




IVES GANDRA MARTINS


O jurista e tributarista Ives Gandra Martins considera o Brasil o pior dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), mas dá a receita para que o País entre definitivamente na rota do crescimento em nível mundial: menos tributos, menos governos, menos burocracia, menos juros, mais confiança na sociedade privada, menos amigos políticos e mais amigos técnicos.

Jornal do Commercio   Editoria: Economia   Página: A-2




IVES GANDRA MARTINS


O jurista e tributarista Ives Gandra Martins considera o Brasil o pior dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), mas dá a receita para que o País entre definitivamente na rota do crescimento em nível mundial: menos tributos, menos governos, menos burocracia, menos juros, mais confiança na sociedade privada, menos amigos políticos e mais amigos técnicos. Nesta entrevista, Gandra diz que as sucessivas absolvições políticas de muitos auxiliares do presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, retiraram-lhe a impressão de que ele pudesse ser o estadista que o País precisa. O professor, que já publicou mais de 40 livros e é reconhecido internacionalmente, também acredita que a restrição permanente dos direitos dos contribuintes e dos cidadãos, a ineficiência da “esclerosada” máquina administrativa, a “indecente” carga tributária e o “escandaloso” nível de juros prejudicam o crescimento brasileiro. Com 72 anos, Gandra também se mostra descrente quanto a uma solução para a guerra fiscal entre os estados e diz que não dá para esperar o melhor ambiente para encampar reformas políticas. A seguir, os principais trechos da entrevista. JORNAL DO COMMERCIO – Como o senhor avalia o cumprimento do direito de propriedade hoje? IVES GANDRA MARTINS – Entre os cinco princípios fundamentais dos direitos e garantias individuais e coletivos está o direito à propriedade. Ela deve ser respeitada e sempre que o poder público desapropria deve pagar previamente valor justo do imóvel ou do bem. A exceção é a propriedade rural, que não pode ser desapropriada se for produtiva e se for invadida não pode ser desapropriada por dois anos. Os princípios constitucionais, entretanto, têm sido permanentemente descumpridos pelos governos, que já conseguiram dois calotes constitucionais – as moratórias da Constituinte e da Emenda Constitucional número 30 – e, apesar delas, continuam não pagando precatórios, nem desapropriando com justa e prévia indenização. Desta forma, não a Constituição, mas a leitura conivente, conveniente e desarrazoada da lei suprema constitui empecilho para o desenvolvimento. Como a política no Brasil deveria ser reformada?

– A reforma ideal seria adotar o modelo parlamentar de governo, visto que o parlamentarismo é o governo da responsabilidade a prazo incerto. Se um gabinete eleito não cumprir suas missões será substituído, nos termos da lei, sem trauma. Todos os países europeus e alguns países emergentes, como Índia e Tailândia, adotaram-no. O presidencialismo é o regime da irresponsabilidade a prazo certo. Eleito um irresponsável ou se tolera seus desmandos por quatro anos ou se parte para o impeachment. As duas soluções são traumáticas. Não há mecanismos institucionais para solução das grandes crises. O presidencialismo apenas deu certo nos Estados Unidos, tendo sido um fracasso a gerar frustrações permanentes em todos os países latino-americanos que o adotaram, inclusive o Brasil.


 


O que poderia ser feito sem mudar o regime? E, em meio a novos escândalos de corrupção envolvendo membros do alto escalão do governo, o senhor avalia que há ambiente para encampar alguma reforma política?

– Mesmo sem a introdução do parlamentarismo, o País poderia partir para a fidelidade partidária com o fortalecimento dos partidos e a eliminação de estelionatos eleitorais, assim como para voto distrital misto. Também sou favorável a cláusula de barreira. É fundamental a eliminação de partidos de aluguel. A questão do ambiente político é menos relevante, visto que uma característica desta legislatura é a existência de crises éticas permanentes, como tivemos no primeiro mandato e continuam neste segundo. Se formos esperar o melhor ambiente para a reforma, nunca o teremos, pois quem tem poder, mesmo convivendo com as crises éticas, jamais abrirá espaço para a reforma. Creio que, bem proposta, até o presidente Lula a defenderia.


 


O senhor acha positiva a convocação de uma Assembléia Constituinte para votação da reforma política? Em que contexto, com consulta popular, por exemplo?

– Uma miniassembléia constituinte só poderia ser convocada por referendo ou plebiscito aprovados por emenda constitucional. Na primeira hipótese, a constituinte proporia um modelo de lei suprema, aprovada por quorum qualificado (três quintos) e levaria a referendo popular para aprovação. Na segunda hipótese consultaria, previamente, o povo para perguntar-lhe se estaria ou não de acordo com uma constituinte. Esta seria mais democrática. Pessoalmente, defendo a tese de que uma nova constituinte não poderia ter políticos ou pessoas que fossem candidatos para as próximas eleições. Só assim os interesses pessoais não prevaleceriam sobre os interesses nacionais.


A insegurança jurídica é um dos itens de maior peso no chamado custo Brasil. Como reduzir isso? E como conferir maior eficiência ao Poder Judiciário?

– A insegurança jurídica, o denuncismo, a relatividade das operações, raramente atingindo os detentores do poder e seus amigos, a quebra da intimidade permanente de todos os cidadãos à menor suspeita, a manutenção do Judiciário acuado, por qualquer decisão a favor do cidadão, em matéria tributária ou de natureza, põem automaticamente sob suspeita o magistrado perante os órgãos governamentais. A restrição permanente dos direitos dos contribuintes e dos cidadãos tem gerado um clima de insegurança jurídica, que, ao lado do peso da ineficiência da esclerosada máquina administrativa, indecente carga tributária e escandaloso nível de juros, prejudica o crescimento do País, pelo menos nos patamares da média mundial das nações emergentes. A única forma é reduzir o tamanho do Estado, reduzindo os critérios de acomodação de partidos aliados, fazendo com que o peso da carga burocrática não condicione o peso da carga tributária.


 


Por falar em carga tributária, qual é a melhor maneira de acabar com a guerra fiscal entre os estados? A nota fiscal eletrônica e a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) no destino seriam saídas?

– Sou descrente sobre uma solução da questão do ICMS. Apenas se fosse federalizado, com o direito de os estados arrecadarem e com uma única ou poucas alíquotas nacionais, como, de resto, ocorre na esmagadora maioria das federações, poderíamos ter o fim da guerra fiscal. Não há solução viável, no regime de caixa de compensações entre os estados, após a adoção da disciplina jurídica do pagamento na origem e destinando-se todo o tributo para o estado importador. Os estados exportadores líquidos teriam sérios problemas de organização orçamentária e seriam obrigados a aumentar o nível impositivo. Os estados importadores líquidos ganhariam o aumento de tributação. Se, todavia, não cumprissem os estados importadores líquidos a lição de casa para fins de arrecadar e enviar o ICMS arrecadado para os estados exportadores líquidos poderiam estes perder duas vezes.


 


Onde cortar para fechar as contas públicas, uma vez que quase 90% do Orçamento da União estão engessados constitucionalmente? E diante de mais de 100 tributos e 12 impostos no Brasil, quais são as medidas de simplificação tributária que poderiam ser adotadas pelo governo para reduzir a sonegação?

– O denominado engessamento constitucional é para as funções essenciais como educação, saúde etc. Por outro lado, o aumento constante de funções e cargos da burocracia, que se tornam permanentes, não pode ser considerado engessamento constitucional. Há necessidade de enxugamento da máquina e não aumento contínuo, como o que ocorre atualmente. Sobre tributos, o meu projeto original de reforma constitucional é de manter cinco tributos: um imposto nacional sobre renda, um imposto sobre circulação de bens e serviços, outro sobre patrimônio imobiliário e de veículos partilhados entre União, estados e municípios, um imposto sobre o comércio exterior e uma contribuição social. As demais imposições, taxas etc, de pequena densidade, poderiam manter-se como estão.


O senhor ainda acha que o Brasil precisa de um estadista, com visão nacional e de futuro, e não de um político? O presidente Lula cumpre esse papel?

– Continuo pensando que o Brasil precisa de um estadista. Lula deu-me a esperança de ser um estadista. Os sucessivos escândalos de seu governo e as absolvições políticas de muitos de seus auxiliares, além do comportamento com os nossos vizinhos ditadores, como Chavez, Morales e Corrêa, mudaram a minha impressão inicial.


Recentemente o Fundo Monetário Internacional (FMI) disse que o Brasil é o melhor dos Brics. Já o senhor defende que o Brasil é o pior deles, uma vez que Índia e China crescem quatro vezes mais e a Rússia duas vezes mais. O que fazer para acelerar o crescimento?

– Com menos tributos, menos governos, menos burocracia, menos juros, mais confiança na sociedade privada, menos amigos políticos e mais amigos técnicos.


 

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