Acentua-se o descompasso entre indústria e comércio

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Jornal do Commercio  Editoria: Economia  Página: A-3


Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) para o comércio e a indústria nos primeiros meses de 2007 mostram que se acentuou o descompasso entre os dois setores. No acumulado do primeiro bimestre, o comércio varejista registrou alta de 8,9% nas vendas, na comparação com igual período de 2006. A produção industrial, por sua vez, teve crescimento de apenas 3,7% nos dois primeiros meses do ano.

Jornal do Commercio  Editoria: Economia  Página: A-3


Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) para o comércio e a indústria nos primeiros meses de 2007 mostram que se acentuou o descompasso entre os dois setores. No acumulado do primeiro bimestre, o comércio varejista registrou alta de 8,9% nas vendas, na comparação com igual período de 2006. A produção industrial, por sua vez, teve crescimento de apenas 3,7% nos dois primeiros meses do ano. O descolamento entre varejo e indústria teve início em 2005 e vem se agravando ano a ano, o que contrasta com a análise otimista que o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, faz do comportamento da economia brasileira. Os dados do IBGE aumentam as discussões em torno de um possível processo de desindustrialização da economia brasileira impulsionado, sobretudo, pela valorização da moeda brasileira e a entrada de itens importados no País.


Desde agosto do ano passado, a trajetória do comércio brasileiro é de crescimento na margem, refletindo os efeitos positivos da maior disponibilidade de crédito ao consumo e relativa melhoria dos indicadores de rendimento da população. Em fevereiro, as vendas superaram em 0,4% o resultado de janeiro, que, por sua vez, já havia tido expansão de 1,9% na comparação com dezembro de 2006 na série com ajuste sazonal. Para o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), o fato de o crescimento da produção, que reflete a capacidade do setor produtivo da economia de atender à demanda interna e externa, não ter acompanhado esse movimento é preocupante. Esse seria um indicador de que o crescimento do mercado doméstico está sendo cedido à concorrência externa.”


Competitividade


Na avaliação do Iedi, não há um problema de competitividade microeconômica, ou seja, de produtividade das empresas. Assim, as causa da falta de competitividade residiriam em falhas na competitividade sistêmica (infra-estrutura, tributação, custo de encargos trabalhistas) e na grande valorização do real ocorrida nos dois últimos anos, retirando capacidade de competição da produção nacional. A solução, defende, passa fundamentalmente por reformas e ações para diminuir a sobrevalorização da moeda, imprescindíveis para a ampliação do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2006, a demanda externa líquida suprimiu 1,4 ponto percentual de crescimento do PIB, que cresceria cerca de 5% sem essa contribuição negativa. O Iedi aponta que os dados revelam que tal processo se reproduz em 2007.


O economista David Kupfer, especialista na área industrial e professor do Instituto de Economia da UFRJ, diz que o descompasso entre comércio e indústria é decorrente do maior grau de abertura da economia, suportado nesse caso pela taxa de câmbio. “O nível de proteção da indústria está mais baixo, por isso a indústria está vendendo menos e o avanço do comércio se apóia na maior importação de bens de consumo.”


Kupfer aponta que esse processo se iniciou em 2005 e tem se intensificado. “Naquela época, isso ainda não se refletia nas importações, mas agora seu crescimento está se consolidando”, observa. No ano passado, a produção industrial teve alta de 2,8%, ante um crescimento de 6,2% do comércio. A possibilidade de um ajuste de estoques está, portanto, descartada.


No primeiro trimestre de 2007, as importações atingiram US$ 25,221 bilhões, um crescimento de 27,3%, contra taxa de 17,3% das exportações. O incremento tem se intensificado especialmente nos bens de consumo. Embora em valor ainda sejam pouco significativas (US$ 3,337 bilhões), percentualmente as importações de bens de consumo registraram alta de 37%, a maior entre as categorias de uso, aponta o Programa de Administração do Varejo (Provar), da Universidade de São Paulo. De acordo com a economista Patrícia Vance, a desvalorização do dólar tem mudado o perfil da oferta de bens de consumo, tanto dos não-duráveis, quanto dos duráveis.


“Esta trajetória vem ganhando força ano a ano. Quando comparamos a importação de bens de consumo do primeiro trimestre deste ano, frente a igual período de 2006, observa-se que houve incremento de 37%, com volume financeiro de US$ 3,33 bilhões. Para os duráveis, a expansão foi de 34%, somando US$ 1,5 bilhão, enquanto para os não-duráveis a alta foi de 40%, com US$ 1,8 bilhão”, quantifica a economista.


Patrícia destaca que a maior parte das importações ainda é de produtos populares e com preços mais atraentes que os similares nacionais, mas ressalta que os produtos de luxo e de grife também têm aumentando sua participação. “Com o real valorizado, há espaço para todos”, comenta. “Esse ritmo tende a se intensificar ao longo do ano, já que o primeiro trimestre não é um período forte de consumo. Além disso, o dólar não tende a se valorizar significativamente”, diz o vice-presidente executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. A participação dos bens de consumo na pauta de importação passou de 12,1% no primeiro trimestre de 2006 para 13,2% em 2007.


Qualidade. O aumento da participação dos bens de consumo importados é constatado pela Associação Brasileira dos Importadores de Produtos Populares (ABIPP), que prevê um aumento não só de volumes, mas também da qualidade dos produtos. Somente no ano passado, dos R$ 9 bilhões de produtos desta categoria – voltados para as classes C, D e E – vendidos no mercado nacional, cerca de um terço (R$ 3 bilhões) era importado. Deste percentual, 90% eram originários da China.


Para este ano, a estimativa é de que os volumes continuem em ascensão, com expansão de 12% a 15%. “Com o dólar na casa dos R$ 2, os importadores se abastecem de produtos mais sofisticados pelos mesmos valores de similares mais simples. Apesar do bom momento, temos na associação a orientação de controlar as importações, para evitar uma oferta muito maior do que a demanda interna pode absorver. Esta também é uma maneira de evitar problemas com a indústria local”, comenta o presidente da ABIPP, Gustavo Dedivitis.



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