A origem da crise e a correia de transmissão (Jornal do Brasil, 27/12/2008)

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Antonio Oliveira Santos

Presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo


Longos períodos de crescimento econômico fazem as pessoas esquecerem a idéia dos movimentos cíclicos, que alternam fases de expansão e de contração.

Antonio Oliveira Santos

Presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo


Longos períodos de crescimento econômico fazem as pessoas esquecerem a idéia dos movimentos cíclicos, que alternam fases de expansão e de contração. Até que surge o fenômeno histórico da reversão,  surpreendendo a todos que não perceberam que a tempestade estava se formando. 


A brusca interrupção da fase de  expansão tem sempre a centelha financeira a desencadear o processo de baixa, que logo se transmite ao mundo real da produção de bens e serviços. Foi assim em outubro de 1929 e está sendo assim em outubro de 2008. A queda vertiginosa dos valores nas Bolsas gera um sentimento de empobrecimento dos investidores que passam a “apertar o cinto” e a consumir menos. 


Em tempos recentes, a tecnologia criou ampla variedade de instrumentos financeiros na forma de “derivativos”, ativos financeiros que derivam de outro ativo real ou financeiro. Graças a esse artifício virtual, qualquer dívida pode ser transformada em títulos e vendida várias vezes no mercado, numa “alavancagem” impressionante.  


O lucro fácil das operações aparentemente seguras, financiadas por dinheiro barato, e a economia em expansão afastam o risco da inadimplência do devedor. O excesso de confiança põe de lado a cuidadosa análise do risco.  


A inflexão do ciclo tem um tempo de gestação. No caso atual, tudo começou por volta de 2006 quando os sucessivos refinanciamentos das hipotecas nos Estados Unidos tornaram-se problemáticos. As operações estruturadas pela emissão de títulos, verdadeiros derivativos da hipoteca inicial, não levaram em conta a capacidade de pagamento do tomador do empréstimo, este supostamente garantido por um imóvel cujo preço aumentava incessantemente. Na verdade, a sirene do alarme soou em março de 2007, quando senadores democratas clamaram por medidas compensatórias, ante uma Administração Federal presa da inércia.    


Rompida a cadeia da felicidade, era somente questão de tempo a crise de liquidez logo transformar-se em crise de confiança. Dada a dimensão da economia americana, a interdependência de um mercado financeiro globalizado e transações efetivadas em tempo real, também foi uma questão de tempo a falta de liquidez e a quebra de confiança cruzarem meridianos no rumo da Europa e atravessarem paralelos, no sentido Sul do Continente.. 


Como nas duas faces da moeda, a economia também tem duas faces, a financeira e a  real.  Mais uma vez era questão de tempo a contaminação das dificuldades das finanças  internacionais aos mercados de bens  e serviços..O  “Baltic Dry Index” (BDI) acompanha os preços dos fretes  do transporte marítimo transoceânico, dos  gigantescos graneleiros que levam minério de ferro da Austrália e do Brasil para mercados da América do Norte, da Europa e da Ásia. Refletindo em grande parte a desaceleração econômica dos grandes mercados  produtores de bens, esses fretes vêm em queda livre desde maio deste ano, sinalizando a perspectiva de queda do comércio internacional. 


Como age a correia de transmissão da crise financeira e conseqüente desaceleração da economia mundial sobre o Brasil ? Atua através do comércio exterior e do movimento de capitais, componentes que são do balanço de pagamentos do País. 


Na grande depressão dos anos 1930, quando as relações econômicas entre as Nações eram muito mais simples, a Renda Nacional dos Estados Unidos baixou drasticamente e, com isso, caiu fortemente a demanda por café. A retração do consumo logo estendeu-se à Europa. Em conseqüência, num país ainda predominantemente agrícola, foi suspenso o financiamento para estocagem do produto e passou a ser exigida a liquidação imediata das dívidas existentes. Caiu por terra a política de valorização do café.  A queda das exportações brasileiras e a perda da lucratividade da lavoura cafeeira arrasou a economia do Brasil, que foi obrigado a suspender o pagamento da dívida externa.  


O novo protagonista da economia mundial, a China, que até agora se mostrou voraz em sua demanda por “commodities”, com a desaceleração do seu crescimento impacta no sentido da contração todo o comércio mundial, desfazendo-se a esperança de que pudesse ter uma ação compensatória dessa contração. Na fase de baixa que ora se desenha para o nosso país, por propagação, o comércio exterior é afetado pela queda nos preços e no volume das exportações, levando a uma contração do saldo do balanço de comércio. No que concerne ao movimento de capitais, a entrada de recursos externos num ambiente mundial de falta de liquidez e quebra da confiança significa que, por ora, o processo de captação de recursos externos vai se reduzir substancialmente, assim como os do  mercado interno. 


Num horizonte de curto prazo, as decisões de investimento das grandes empresas nacionais poderão ser adiadas. E a capacidade do investimento público preencher esse vácuo temporário dependerá de uma revisão dos orçamentos nos três níveis da Administração, num provável contexto de queda da arrecadação de impostos.  


Nossa esperança é de que a fase de baixa da economia mundial seja breve  e que o fatalismo dos ciclos econômicos resulte numa passagem rápida da crise à recuperação.


 


Publicado no Jornal do Brasil de 27/12/2008.



 


 

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