Especialistas, executivos de empresas e representante do governo debateram, nesta manhã (2), os entraves e perspectivas para recuperação do mercado de trabalho no pós-pandemia. Em consenso, os convidados para a terceira edição anual da série de debates E Agora, Brasil? afirmaram que a formação profissional e a capacitação para lidar com as tecnologias adotadas no período pandêmico é essencial para um cenário mais robusto de geração de empregos.
Em evento realizado pelos jornais Valor Econômico e O Globo, com patrocínio da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Federações e demais entidades do Sistema Comércio, Bruno Bianco, secretário-especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia; Fabrício Garcia, vice-presidente de Produção do Magazine Luiza; Lorival Luz, CEO Global da BRF, e Zeina Latif, consultora econômica e colunista de O Globo apresentaram suas visões sobre o tema, a partir de perguntas formuladas pelos mediadores, o editor-assistente do Valor Econômico, Eduardo Belo, e a colunista de O Globo, Mariana Barbosa.
Na avaliação de Bruno Bianco sobre o panorama de novas vagas de emprego, o mercado mostra recuperação com a criação de 1,5 milhão de postos de trabalho neste ano, com números positivos em todas as regiões do País, nos últimos três meses. Bianco disse, no entanto, que o foco do governo não está apenas no aumento de contratações pelo regime CLT, mas também na formalização de trabalhadores que atuam de maneira diferenciada.
“A proteção do trabalho deve vir junto com a inclusão previdenciária, temos que dar proteção para a mãe, quem sofre acidente de trabalho, quem adoece. Temos que levar as duas questões juntas”, defendeu. Ele ainda citou o Auxílio Emergencial como uma medida importante para a inclusão dos chamados trabalhadores invisíveis. “São pessoas guerreiras, que trabalham, e que nunca foram atendidas por uma política pública”.
Os executivos confirmaram a mudança de cenário para uma perspectiva de retomada, mas expuseram diversas dificuldades que podem ser solucionadas ou amenizadas. O vice-presidente de Operações do Magazine Luiza, Fabrício Garcia, afirmou que o grupo criou 10 mil novos empregos nos últimos doze meses, mas apontou entraves estatais.
“Quanto mais houver desburocratização e menor carga tributária, a gente gera mais empregos”. No mesmo sentido, o CEO Global da BRF, Lorival Luz, afirmou que foi necessária a criação de empregos no período pandêmico em virtude de afastamento de funcionários com comorbidades ou complicações por Covid-19, mas defendeu que a educação e o apagão de mão de obra qualificada dificultam os processos de produção e retardam o desenvolvimento econômico brasileiro.
“As crianças que entram no Ensino Fundamental, vão para o Ensino Médio e não saem preparadas para o mercado. De dez crianças que entram na escola, seis terminam o estudo. Se a educação fosse uma empresa, estava falida porque não tem como se manter com 10%, 30% de produção. É um trabalho que temos que nos unir para melhorar as condições de ensino, nós temos feito isso onde a empresa está presente. A gente faz uma qualificação para que elas estejam preparadas para trabalhar em qualquer lugar.”, exemplificou.
Ao analisar o tema, Zeina Latif, consultora econômica e colunista de O Globo, mostrou uma perspectiva de desigualdade. Ela aponta um abismo de realidade entre as pequenas e grandes empresas, acentuado pela pandemia do novo coronavírus. Para ela, isso leva a uma concentração econômica que não é benéfica para o País.
“As pequenas empresas não conseguem se adaptar na mesma medida. As grandes empresas buscaram soluções diante da crise e isso ajuda na criação de emprego. Isso desloca a concentração para as grandes empresas. O lado que preocupa é que uma parcela da população está fora dessa “festa”, a gente tem uma piora do capital humano, tem dificuldade para mão de obra qualificada e isso se reflete na remuneração e até com ganhos”, enfatizou.
O problema também se agravou quando as soluções tecnológicas foram adotadas pelas empresas, adiantando em quatro anos a adoção de novas plataformas, em virtude da pandemia. Porém a formação de pessoal no setor não é suficiente para a demanda e as empresas precisaram qualificar os profissionais para a chamada digitalização da economia. Além disso, Latif prevê a possibilidade de um cenário de maior desigualdade entre os trabalhadores.
“Há a preocupação pelos jovens para lidar com as novas tecnologias e isso tem implicações na mão de obra, além de pessoas sem emprego. Juntando tudo isso, a taxa de emprego é mais elevada e claro que precisa ter política pública mais elevada. O problema de qualificação se tornou mais grave na pandemia. A gente vai ter aumento no ritmo da volta de geração de emprego e haverá uma disparidade na diferença de quem tem mão de obra e os que não têm”.
Para adaptar o grupo varejista à nova realidade e trabalhar a igualdade no ambiente corporativo, o representante da Magazine Luiza, Fabrício Garcia, afirmou que programas de formação são focos importantes.
“A gente incentiva as pessoas a formarem sua carreira por meio de um programa de formação intensiva e consistente. A gente fez o programa de trainee exclusivo para negros, a gente quer aumentar esse número nos nossos quadros. A gente investe em bolsas de estudo há mais de 20 anos, temos o Programa Luiza Code para formar mulheres na área de tecnologia, que vai para a terceira edição. A gente contrata na base e vai formando e temos profissionais da base que viraram líderes, uma das nossas fortalezas é o nosso time”.
Neste ponto específico, o líder da BRF que, atualmente emprega 100 mil pessoas no Brasil, sugeriu a necessidade de um reconhecimento, seja por isenção tributária ou outros meios, para as empresas que investem na educação dos funcionários. “Se nós não cuidarmos da nossa qualidade e da nossa eficiência, nossos produtos ficarão mais caros, obsoletos para competir no mercado global. Que a gente tivesse incentivo para ajudar na produção e na qualificação de forma inclusiva”.
No segmento de alimentos, que apresentou uma gradativa alta no consumo de proteínas, chegando a 47kg por habitante em 2021, Lorival Luz disse que foi necessária a criação de programa de assistência a produtores rurais. “Nós geramos cerca de 10 mil empregos. Nós tivemos que contratar extensionistas, que são veterinários, zootecnistas, para ir até o produtor e ensinar como melhorar a produção, gerar renda, além de treinar os funcionários, e precisamos de apoio para esta gestão. Houve um aumento de consumo e exportações e a gente tem que continuar trabalhando, houve migração do consumo fora de casa para dentro de casa”, demonstrou o CEO.
Em resposta aos cenários apresentados, Bruno Bianco disse que há uma enorme preocupação do governo na formação profissionalizante e na educação básica, tratadas por meio de programas que criam oportunidades para o primeiro emprego, além da injeção de recursos na educação. “É o governo que mais investiu no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (fundeb), procurou abertura de escolas e estamos fazendo com que os jovens que saíram da escola, possam ter uma formação profissional. O “jovem nem nem” (que não estuda e não trabalha) é uma preocupação desde o primeiro dia de governo”, afirmou.
Reforma tributária
Como parte da série de debates, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) indagou aos participantes o que pode ser feito para melhorar a carga tributária das empresas. O mediador Eduardo Belo complementou com um pedido de análise de como a reforma tributária pode gerar emprego.
Ao responder, Zeina Latif alertou que é uma agenda difícil de ser tratada e acredita que é complicado interferir no sistema fiscal neste momento. Ela avalia que é uma medida necessária de início de mandato, visto que a carga tributária brasileira está totalmente fora dos padrões mundiais, em percentagem que atinge 70% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto na maioria dos países chega a 20% e não atinge 1%, se analisados todos os países.
“Apesar do cenário, a economista diz que é possível simplificar o sistema de arrecadação. Se a empresa tem que ter um exército de profissionais para acompanhar as mudanças de legislação, que as vezes têm efeito retroativo, a empresa nunca tem certeza se está pagando, se está recolhendo direitinho, então, é uma ineficiência enorme”, enfatiza.
Ela diz que, ainda que não haja redução da carga, a melhoria para um sistema racional, menos complexo, que não atrapalhe as decisões de produção e investimentos, seria benéfica para a geração de empregos. “Dos impostos que mais trazem problemas, que são os impostos sobre consumo, a gente não vê prosperar no Congresso o IVA, que é um modelo que funciona bem no mundo”, afirmou.
Lorival Luz reitera que as discussões em torno do sistema tributário requerem um tempo enorme, na medida em que é necessário compreender regulamentações, mudanças e as leis para diversas formas de arrecadação de impostos em âmbito municipal, estadual e federal, além de citar as pressões recebidas por empresas para explicações formais para cada ponto complexo da coleta de tributos. “Você está perdendo competitividade e isso impacta no produto. A gente perde a competitividade no mercado internacional e não tem milagre, vai impactar no preço do produto final”, destaca.