Comentários à Lei 12846/2013: diretivas sobre o programa de compliance

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Apresentação
A Lei 12.846, de 1º de agosto de 2013, a chamada Lei Anticorrupção, entrou em vigor a partir do dia 29 de janeiro de 2014. Ela prevê a responsabilidade objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas em face da prática de determinados atos ilícitos que a própria lei define e estabelece suas respectivas sanções, sempre que essa responsabilidade for constatada mediante investigação administrativa ou judicial. Em tempos atuais, a corrupção é reconhecida como um fenômeno transnacional, pois irradia seus efeitos com tal amplitude que nenhum país, em maior ou menor grau, escapa de suas nefastas consequências. A preocupação crescente sobre o assunto levou uma organização chamada Transparência Internacional a mapear, desde o ano de 1995, as vulnerabilidades de cada país, publicando o chamado Índice de Percepção da Corrupção, com uma pontuação de 0 (zero) a 10, em que 0 (zero) representa um país altamente corrupto e 10 representa um país com alto grau de transparência. Infelizmente, em levantamento feito em 2014, o Brasil aparece nesse ranking na 69ª posição. 1 A corrupção deve ser entendida como um fenômeno presente na humanidade desde as mais remotas épocas, a ser combatido com persistência ao longo do tempo. Ainda na Antiguidade, já dizia Confúcio que “só depois de 100 anos de governo e de bons soberanos, poderemos acabar com os crimes de corrupção e com a pena de morte”. E há aqueles que, como o ex-primeiro-ministro britânico Benjamim Disraeli, acreditavam que a Lei nunca seria suficiente para combater as fraquezas humanas. Disse ele: “Quando os homens são honestos, as leis são desnecessárias; quando os homens são corruptos, as leis são violadas”. E muitos se convenceram de que, por mais intenso que seja, o combate à corrupção não chegará ao ponto de pretender eliminá-la inteiramente, pois isso seria “transcender a condição humana”.2 Talvez venha dessa nossa fraqueza o comentário jocoso do economista Gil Castelo Branco (O Globo de 17/03/2015) de que só a criação do Universo, anterior ao surgimento do homem, foi a única obra segura e sem suspeitas, apesar de feita sem licitação. Cada país saberá explicar as raízes de sua própria corrupção. No Brasil, todos os historiadores admitem que essas raízes remontam ao Brasil Colonial. Começou no tempo das Capitanias Hereditárias, em que praticamente inexistiam as fronteiras entre o patrimônio público e o patrimônio privado, e continuou também no período do chamado Governo Geral, criado em 1548, quando a corrupção também encontrou campo fértil para se desenvolver. Serviu de meio, por exemplo, para driblar os frequentes entraves burocráticos que dificultavam uma simples obtenção de licença ou concessão, necessária ao funcionamento de quase todas as atividades econômicas no Brasil, e que eram outorgadas exclusivamente pela Metrópole. Também a corrupção foi utilizada para superar outros obstáculos judiciais e administrativos da Colônia, tais como superposição de normas (em razão da balbúrdia provocada por um emaranhado de leis desarmônicas e conflitantes), venalidade de magistrados (alguns juízes, inclusive, cumulavam suas funções com a de negociantes) e ainda coexistência das mesmas atribuições entre os diferentes órgãos do Estado, o que gerava constantes obstáculos na relação entre a Administração Pública e a população do País. Infelizmente, e por tais razões, a corrupção ganhou os conhecidos contornos do “toma lá, dá cá”, instrumento utilizado apenas pelos mais aquinhoados para obter favores que não estavam ao alcance dos desafortunados. Não foram poucos os estudiosos que se dedicaram a essa matéria, tais como Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freire e Raimundo Faoro, cujas pesquisas muito contribuíram para que hoje pudéssemos entender o fenômeno histórico da corrupção no Brasil. Vários de seus relatos mereceriam ser aqui citados. No entanto, optamos por invocar um antigo trecho literário que sintetiza muito bem o ambiente das mazelas coloniais: trata-se do breve e pitoresco comentário de um padre, o famoso Padre Antonio Vieira, conhecido pelos seus sermões, sendo um deles o chamado Sermão do Bom Ladrão, uma nítida e saborosa ironia ao relato bíblico do bom e do mau ladrão. Ele se referia, de um lado, aos dirigentes e funcionários públicos privilegiados da época colonial, os quais notoriamente abusavam do poder, corrompiam e roubavam à vontade, com a certeza da impunidade, enquanto os menos favorecidos, os que chamaríamos hoje de “ladrões de galinha”, sofriam os rigores impiedosos da Lei. Apreciemos a graça de sua narrativa: “Não são só os ladrões os que cortam bolsas, ou espreitam os que vão se banhar, para lhes colher as roupas. Os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias ou a administração das cidades, os quais, ora com manha, ora com força, roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos; os outros furtam debaixo do seu próprio risco; estes furtam sem temor, nem perigo; os outros, se furtam, são enforcados, mas estes furtam e também enforcam. Perde-se o Brasil, Senhor. Porque alguns ministros de Sua Majestade não vêm cá buscar o nosso bem, vem cá buscar nossos bens.”

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